Em uma época onde ciência e magia se entrelaçavam nos salões da realeza, John Dee emergiu como uma das figuras mais enigmáticas do ocultismo ocidental.
Matemático, astrônomo e conselheiro da rainha Elizabeth I, Dee dedicou sua vida a decifrar os segredos do universo — e afirmou ter encontrado a chave para a comunicação com seres angélicos.
John Dee foi um dos personagens mais enigmáticos do século XVI — e talvez de toda a história do ocultismo ocidental. Em sua busca por conhecimento divino, ele atravessou os limites da ciência e da fé, tornando-se o pai da magia enoquiana, um sistema de comunicação com anjos que, até hoje, inspira místicos, magos cerimoniais e estudiosos do esoterismo.
Neste artigo do bandoleiro.com, vamos desvendar as camadas deste personagem fascinante que uniu o saber da Renascença com o brilho das estrelas e o sussurro dos arcanjos.
Mergulhe nos mistérios da magia enoquiana, o sistema místico que Dee desenvolveu com o controverso vidente Edward Kelley. Suas invocações, alfabeto sagrado e visões proféticas continuam a influenciar magos e ocultistas até hoje.

John Dee: o alquimista que falava com anjos
Nascido em 1527, John Dee era um erudito renascentista: dominava matemática, navegação e astrologia. Sua biblioteca em Mortlake era uma das maiores da Europa, repleta de tratados herméticos e textos alquímicos.
Educado em Cambridge, ainda jovem se destacou como um prodígio intelectual. John Dee logo demonstrou um talento incomum para as ciências e as artes esotéricas.
Sua reputação cresceu tanto que tornou-se conselheiro pessoal da rainha Elizabeth I, não apenas como astrólogo, mas também como estrategista e filósofo. Diz-se que ele escolheu a data da coroação da rainha com base em cálculos astrológicos precisos — um ato simbólico e poderoso.
Viajou pela Europa, estudando astronomia, matemática, alquimia e cabala com os maiores mestres da época. Mas longe dos olhos curiosos da corte, em seu laboratório em Mortlake, John Dee mergulhava em práticas proibidas: invocações angélicas, leitura de cristais e experimentações com o que hoje chamamos de magia operativa.
Seu maior projeto? Estabelecer comunicação direta com o mundo celestial através de um médium visionário chamado Edward Kelley. Sua mente inquieta o levou além dos limites acadêmicos: ele buscava a sabedoria universal, o elo perdido entre o humano e o divino, um conhecimento superior que o levou a explorar territórios perigosos.
Em 1582, Dee conheceu Edward Kelley, um médium que afirmava ver e ouvir anjos através de um espelho de obsidiana (hoje conhecido como “Espelho de John Dee”). Juntos, iniciaram sessões de scrying (vidência), onde alegaram receber mensagens em uma língua celestial: o enoquiano.

O livro enoquiano: uma obra mística e codificada
O principal registro do trabalho de Dee com a magia enoquiana está contido em manuscritos hoje preservados na British Library, incluindo o famoso Liber Logaeth (“Livro da Palavra de Deus”), um texto extenso composto por tabelas de letras e palavras que parecem aleatórias, mas que, segundo alguns estudiosos, carregam significados simbólicos e cósmicos.
Outras partes do sistema enoquiano incluem os Tablets of the Seven Planets, instrumentos mágicos usados para invocar forças angélicas relacionadas aos sete corpos celestiais conhecidos na época (Sol, Lua, Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno).
Esse sistema influenciou diretamente ordens ocultistas posteriores, como a Ordem Hermética do Aurora Dourada (Hermetic Order of the Golden Dawn), que adaptou parte dessa estrutura em seus próprios rituais mágicos.
Hoje, praticantes de magia cerimonial, wiccanos e ocultistas de todo o mundo ainda estudam e utilizam os ensinamentos deixados por John Dee, mantendo viva uma tradição que parece vir diretamente do próprio céu.
O alfabeto enoquiano: a língua dos anjos
Entre 1581 e 1587, John Dee e seu colaborador Edward Kelley iniciaram uma série de sessões mediúnicas intensas, registradas nos chamados Diários Angélicos. Durante esses encontros, Kelley afirmava ver anjos por meio de uma bola de cristal e transmitir suas mensagens à escrita.
Os anjos teriam revelado uma língua sagrada, anterior até mesmo ao hebraico: a língua enoquiana, nomeada em homenagem ao patriarca bíblico Enoque, considerado um profeta que caminhou com Deus.
Essa língua — também conhecida como “angelical” — é composta por centenas de termos e símbolos, além de textos complexos que descrevem hierarquias angelicais, sistemas planetários e fórmulas de invocação.
Dee acreditava que essa língua original seria a chave para reconectar a humanidade com o divino e restaurar a sabedoria perdida desde a Queda.
As 48 Chamadas e as Tábuas da Lei: Os anjos revelaram a Dee e Kelley um alfabeto de 21 letras, com gramática e sintaxe próprias — a língua enoquiana. Segundo as transcrições (“Liber Loagaeth” e “As 48 Chamadas Enoquianas”), essa linguagem teria poder para alterar a realidade e invocar forças cósmicas.
O Mistério das Tábuas Sagradas: Quatro tábuas elementares (Ar, Fogo, Água, Terra) compõem o sistema enoquiano, cada uma governada por hierarquias angélicas. Magos modernos, como Aleister Crowley e Golden Dawn, usaram essas tábuas em rituais complexos.

A magia enoquiana
Um dos aspectos mais intrigantes da magia enoquiana é o alfabeto revelado pelos anjos, composto por 21 letras com sons e significados próprios. Segundo os registros deixados por Dee, essa seria a língua original da humanidade, falada antes da Torre de Babel, e utilizada pelos próprios anjos para ordenar o universo.
“Esta é a verdadeira língua Adâmica, falada antes da confusão das línguas em Babel.” – John Dee
As tabelas místicas e o livro de Loagaeth
Entre os grimórios produzidos por John Dee estão o Liber Loagaeth e as Tabelas das Casas Angelicais, que representam um mapeamento das entidades, seus nomes, funções e correspondências. Cada célula das tabelas era carregada de valor vibracional, e os rituais exigiam extrema precisão — pois, segundo os anjos, um erro mínimo poderia atrair forças caóticas e perigosas.
Os quatro castelos dos elementos
Na estrutura enoquiana, existem quatro torres angelicais, associadas aos elementos ar, fogo, água e terra, cada uma habitada por coros de anjos específicos. Essas torres seriam acessadas em rituais por meio das Chaves Enoquianas, fórmulas recitadas em voz alta, numa língua que ainda hoje intriga linguistas, ocultistas e místicos.
Invocações e portais dimensionais
Dee acreditava que as Chamadas Enoquianas podiam abrir portais para outros planos. O ritual da Visão do Santo Anjo Guardião, por exemplo, era um método para alcançar iluminação espiritual.
Kelley relatou visões perturbadoras, incluindo anjos caídos e profecias sombrias. Alguns ocultistas alertam que o enoquiano, se usado sem preparo, pode atrair entidades enganosas.
O espelho de Obsidiana
Um dos objetos mais intrigantes associados a John Dee é o chamado Espelho de Obsidiana, um disco preto de vulcânico mexicano que teria sido trazido da Nova Espanha após a conquista pelos espanhóis.
Dee usava esse espelho como ferramenta de clarividência, acreditando que nele podia ver outras realidades e conversar com seres de outro plano. Segundo registros, Kelley teria tido visões intensas ao olhar dentro do espelho, relatando paisagens celestiais e formas luminosas.
Alguns historiadores acreditam que o espelho tenha pertencido originalmente aos astecas, sendo usado em rituais xamânicos e práticas de adivinhação. Essa ligação entre culturas tão distantes geograficamente só reforça o caráter universal e transcendental do trabalho de Dee.
A busca por comunicação com os anjos
Na segunda metade da vida, John Dee mergulhou na magia e na angelologia. Sentia que os conhecimentos humanos estavam esgotados e que apenas os seres celestiais poderiam revelar os segredos finais da Criação.
Foi então que iniciou suas sessões de scrying — ou vidência — usando cristais, espelhos negros e pedras mágicas. Mas ele próprio não via os anjos: para isso, recorreu a um médium — o também controverso Edward Kelley.
O encontro com os seres enoquianos
Kelley, dotado de visão espiritual segundo Dee, passou a relatar comunicações com entidades angelicais poderosíssimas, que se identificavam como mensageiros do Altíssimo. Com o tempo, os anjos revelaram a Dee e Kelley um sistema mágico completo, com alfabeto próprio, estrutura hierárquica angelical e fórmulas rituais complexas.
Nascia ali a Magia Enoquiana, batizada em referência a Enoque, patriarca bíblico que, segundo a tradição, “andou com Deus” e recebeu revelações celestes.

John Dee: o arcanista real
Curiosamente, John Dee assinava algumas de suas cartas à Rainha com o número “007”, o que levou muitos estudiosos a sugerirem que ele foi um protorreconhecido agente secreto, um espião espiritual e político da Coroa. Esta curiosidade inspiraria, séculos depois, o famoso agente de Ian Fleming.
O legado de John Dee: da alquimia à magia moderna
Ordens como a Hermetic Order of the Golden Dawn e figuras como Aleister Crowley incorporaram o enoquiano em seus rituais. Crowley, em particular, usou as Chamadas em seu “Livro de Abramelin”.
O sistema de magia enoquiana de John Dee até hoje é considerada uma das mais poderosas, perigosas e enigmáticas formas de magia cerimonial.
John Dee aparece como personagem em obras literárias, HQs, músicas e jogos. Em Promethea, de Alan Moore, é representado como um sábio alquímico. Em Assassin’s Creed e Doctor Strange, seu nome aparece como referência oculta e mágica.
Um mago em queda: o homem que viu além do seu tempo
A parceria com Edward Kelley foi intensa e turbulenta. Enquanto Dee buscava elevação espiritual, Kelley interessava-se por alquimia e poder material. Em determinado momento, os anjos ordenaram — em uma das mensagens mais controversas — que os dois compartilhassem suas esposas. Dee, relutante, obedeceu, e a relação se deteriorou.
A partir desse ponto, a fortuna e a reputação de Dee começaram a ruir. Retornando à Inglaterra, caiu em desgraça política e morreu em 1608, pobre, isolado e desacreditado após perder grande parte de sua biblioteca e ser acusado de heresia.
No entanto, seu legado sobreviveu às sombras da história e ressurgiu com força nas últimas décadas, graças ao interesse renovado pelo ocultismo, pela magia cerimonial e pela busca por verdades antigas.
Seu trabalho inspirou autores como Aleister Crowley, Dion Fortune e Austin Osman Spare, além de movimentos contemporâneos como o chaos magic e a moderna prática ritualística.
Mais do que um simples mago ou sábio excêntrico, John Dee representa a união entre ciência e espiritualidade, entre lógica e intuição. Ele buscou, até o fim, aquilo que todos nós buscamos: a verdade última que une o céu e a terra.

Curiosidades sobre John Dee
- O Espelho Negro de Obsidiana usado por Dee está hoje no British Museum em Londres.
- Dee acreditava que a Bíblia continha códigos ocultos e que os anjos poderiam ensinar como interpretá-los.
- O número 007, antes de ser símbolo de espionagem, foi sua forma cifrada de comunicação secreta com a Rainha.
- Segundo estudiosos, a magia enoquiana pode alterar estados de consciência profundos, e por isso é tratada com extrema cautela em práticas sérias.
Conclusão: John Dee ainda caminha pelos véus do Invisível
Imagine um mundo sem perguntas profundas. Sem sonhos impossíveis. Sem aqueles que ousaram ultrapassar os limites impostos pela ignorância e pelo medo.
John Dee, com sua barba longa, olhos perdidos no horizonte astral e dedos marcados pela tinta de grimórios proibidos, permanece uma presença viva nos corredores secretos do saber oculto. Ele é um ponteiro entre mundos, o homem que ousou invocar os anjos e registrar sua língua.
Seus manuscritos — guardados em bibliotecas secretas e coleções privadas — continuam a desafiar estudiosos. Será que o enoquiano é realmente uma linguagem divina, ou um elaborado código alquímico? E se, como Dee acreditava, esses símbolos ainda guardam o poder de convocar forças além da compreensão humana?
A resposta pode estar nas páginas amareladas de seus diários… ou no silêncio que precede uma invocação.
John Dee foi um desses poucos. Ele não temeu o desconhecido — ele o abraçou. Não temeu a obscuridade — ele a iluminou com palavras que vieram do além. E talvez, ao ler estas linhas, algo dentro de você tenha despertado. Uma lembrança distante. Uma sensação de familiaridade com o que está escrito entre as linhas.
Será que os anjos ainda falam conosco?
Dee realmente conversou com os anjos?
Seja como for, ele nos convida a olhar para dentro, e também para cima — onde as estrelas podem ser apenas os olhos de uma inteligência oculta observando os que ousam buscar.
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